Douro: Relatório de Vindima

2017-10-20

A Vindima Mais Precoce

Este tem sido um ano muito seco e quente no Douro. De dezembro 2016 em diante, todos os meses registaram níveis de precipitação substancialmente abaixo da média com exceção de uma forte carga de água de 30 mm e granizo localizado na tarde de dia 6 de julho. Esta chuva contrariou um pouco a tendência, mas trouxe poucos benefícios uma vez que escorreu pelas vinhas de encosta, ocasionando danos nalguns terraços. Muito do nosso precioso solo foi parar ao Rio Douro que, durante alguns dias, adquiriu tons dourados.

A Quinta do Bomfim no Pinhão registou apenas 302 mm de chuva nos 11 meses desde 1 de novembro 2016, ou seja, exatamente 50% da média. Considerando que as produções nas vinhas de montanha do Douro são 4,300 Kg/hectare (compare-se com os 10,200 Kg/ha de Itália e com os 13,300 Kg/ha do Chile), sabíamos que as condições de seca sentidas este ano iam seguramente ser desafiantes. É difícil trabalhar estas encostas escarpadas. Mesmo em anos com condições climatéricas favoráveis, as produções no Douro são baixas. Um ano de seca e calor como foi 2017 sublinha quão desafiantes são as condições da nossa região.

Ao inverno soalheiro seguiram-se três meses cruciais de primavera: março, abril e maio, os quais foram, cumulativamente, 2,6°C mais quentes que a média e igualmente secos. O único interlúdio surpreendente foi um período frio durante a última década de março e que, no dia 23, trouxe uma rara queda de neve e geadas localizadas. O mês de abril foi o mais quente desde que os registos começaram em 1931, e apenas caíram uns absurdos 2,6 mm de chuva.

O abrolhamento teve início entre 8 e 10 de março, uma semana mais cedo que a média e a evolução da vinha acelerou ainda mais, tendo a floração chegado com duas semanas de antecipação — a partir de 4/5 de maio — face à média. Foi aparente desde junho como as nossas vinhas se adaptaram às condições de seca, apresentando crescimento comedido dos lançamentos e folhas. É como se tivessem uma extraordinária capacidade de discernir quando é preferível não ser exuberante.

O mês de junho foi o mais quente desde 1980, com uma onda de calor entre os dias 7 e 24 e as temperaturas no Douro Superior a atingir 43°C. O pintor teve inicio no Bomfim no dia 22 de junho — duas semanas de antecipação face à média. Julho foi igualmente quente e seco mas, felizmente, agosto foi mais moderado com noites relativamente frescas, trazendo alguma trégua na fase final das maturações.

Em princípios de agosto tornou-se claro que iriamos ter uma vindima antecipada e que a longa seca não seria aliviada por qualquer chuva de verão tardia. As previsões para o fim-de-semana de 26/27 indicavam chuva, mas apenas caíram modestos 4 mm na Quinta do Vesúvio e parcos 2 mm no Bomfim. Nesta fase, na maioria das vinhas as maturações encontravam-se tão avançadas que esta chuva trouxe pouco benefício.

De modo a preparar a vindima, Charles Symington teve de convocar a sua equipa de enologia, estando parte dela ainda de férias – o que ilustra bem quão avançado o ciclo deste ano esteve. Começámos a vindimar para os brancos no dia 23 de agosto e para os tintos no dia 28, 10 dias antes de qualquer data que tenhamos registo para anos anteriores. As vinhas apresentavam sinais de stress por desidratação e os teores de açúcar inevitavelmente elevados.

Um ano como este sublinha bem à diversidade do Douro; as vinhas com exposição sul e poente sofreram com as longas horas do sol da tarde, enquanto que aquelas acima de 300 metros tiraram vantagem das temperaturas mais frescas concedidas pela altitude. Houve contraste entre as vinhas mais novas, que tiveram dificuldade devido aos sistemas radiculares menos desenvolvidos, e as vinhas mais maduras que mal pareciam beliscadas pela seca. Aquelas desfaziam-se das folhas inferiores em meados de agosto, sinal da vinha a entrar em ‘modo de sobrevivência’. As mais velhas seguiram em frente com folhagem verdejante, embora com menos bagos em cada videira. A Barroca é uma variedade que não se dá bem com calor excessivo e as produções foram baixíssimas: 500 gr/videira nalgumas parcelas. Em contrapartida a Roriz teve um desempenho muito bom, assim como a grande clássica do Douro: Touriga Nacional. A Touriga Franca, sempre uma casta tardia, esteve notável e deu-se muito bem este ano.

As expectativas não eram elevadas, mas a confiança crescia dia após dia, uma vez que os vinhos DOC e os Portos apresentavam cor e aromas surpreendentemente bons. O tempo manteve-se sereno com céus limpos e, muito significativamente, com noites frescas durante as últimas três semanas de setembro. Tais condições são de enorme valor para o fruto maduro e frágil.

O Douro é uma das regiões vitícolas do mundo com produções mais baixas e a seca deste ano reduziu ainda mais a produção. Algumas das nossas vinhas tiveram quebras de 35% e a produção média rondará os 940 gr/videira.

Enquanto que os visitantes apreciam os aspetos tradicionais do Douro, este foi, na realidade, um ano para aproveitar o melhor da tecnologia moderna nalgumas áreas. Com algum empassamento a ser a consequência inevitável de um ano como este, as nossas máquinas de desengace Bucher Vaslin Oscillys — instaladas em cinco das nossas adegas — tiveram um desempenho formidável. Estas funcionam sem batimentos ou força centrífuga, em vez disso empregam um sistema de pêndulo que separa os bagos dos cachos enquanto que separa bagos danificados daqueles em bom estado que seguirão para as cubas de fermentação.

Houve uma falta de mão de obra bastante séria no Douro este ano, parcialmente em virtude da vindima precoce, mas também por causa do boom turístico em Portugal que tem levado pessoas a afastar-se do trabalho na agricultura. Está a revelar-se cada vez mais difícil encontrar pessoas para colher as uvas e o problema é crítico uma vez as uvas têm de ser vindimadas no momento certo. O Douro acorda para a realidade; nenhuma outra região vitícola da Europa é totalmente vindimada à mão.

Terminámos a nossa vindima no dia 26 de setembro, frequentemente a data de arranque em vindimas prévias. Foi um ano fora do vulgar e é improvável que seja uma exceção; há claros indícios de que o nosso futuro será definido de forma crescente pelas alterações climáticas — temperaturas mais elevadas e menos chuva. O Douro terá de se adaptar se quiser continuar a produzir grandes vinhos DOC e Portos a partir destas vinhas que compõem a maior área de vinha de montanha do mundo.

Agora que o pó literalmente assentou (depois da primeira chuva após meses sem gota) sobre a nossa vindima mais precoce de sempre, estamos satisfeitos pelo facto de termos produzido alguns vinhos DOC Douro muito bons, particularmente os tintos que revelam excelente cor e concentração, enquanto que os Portos também parecem promissores pelas suas cores púrpura-negra e sabores intensos.

 

Paul Symington

Vila Nova de Gaia, Portugal, 18-10-17

Publicado em 2017-10-20
© Symington Family Estates

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