Relatório da vindima 2022 no Douro - Os frutos do esforço

2022-10-10

Os frutos do esforço

Relatório da vindima no Douro · 2022

Ao fazermos os preparativos para esta vindima, sabíamos que enfrentávamos condições sem precedentes no Douro. Os três meses que antecederam a vindima foram dos mais quentes e secos alguma vez registados pelos serviços nacionais de meteorologia (agora IPMA), estando grande parte do país na situação de seca severa a partir do inverno de 2022.

Nestes últimos anos temo-nos acostumado a ver recordes serem quebrados: desde a vindima mais precoce em 2017; a primavera mais chuvosa em 2018, e as produções mais baixas em 2020. Com temperaturas médias a subirem, precipitação cada vez mais irregular e cada vez mais escassa, ondas de calor de verão cada vez mais frequentes e intensas — os impactos das alterações climáticas são bem reais no Douro.

Nas vésperas da vindima de 2022, fomos confrontados com alguns dos maiores desafios que a nossa família já viveu neste período. Por muito conhecimento multigeracional que a nossa família possua sobre os seus vinhedos, as condições este ano foram de tal forma extraordinárias que ninguém sabia como as vinhas iriam reagir.

Território desconhecido

Entre novembro de 2021 e agosto de 2022, a Quinta do Bomfim, no coração do Douro, registou apenas 170 mm de chuva. Equivale a uma redução de -70% face à média de 30 anos e tratou-se do 4º ano consecutivo com níveis de precipitação abaixo da média na região: 2021 (-29%); 2020 (-30%) e 2019 (-22%).

Aos solos ressequidos, sobrevieram as temperaturas elevadas bem acima da média. Uma onda de calor de verão define-se por seis dias consecutivos com temperaturas 5ºC acima da média sazonal. Este ano foram mais prolongadas do que o habitual e atingiram máximas mais elevadas. Em junho tivemos uma onda de calor com duração de sete dias no Cima Corgo e de nove no Douro Superior. No país registou-se o mais quente mês de julho desde 1931 e foi precisamente no Pinhão que se registou nesse mês a mais elevada temperatura alguma vez registada no país: 47°C. O mês trouxe-nos também uma onda de calor muito prolongada: 15 dias seguidos, dos quais nove com máximas acima dos 40°C. Em agosto fomos fustigados por mais duas ondas de calor, no início e no final do mês.

O impacto nas vinhas foi significativo e os cachos e bagos eram de menor dimensão que o habitual (sinal de que as vinhas já se tinham ‘defendido’ desde a seca que se instalou logo no inverno). Mentalizámo-nos para uma das vindimas mais precoces, rápidas e curtas de sempre. O gráfico em baixo ilustra bem as incríveis condições climáticas do ciclo vitícola de 2022.

A nossa vindima mais precoce

Os estudos de maturação em agosto indicavam teores de açúcar e níveis de acidez baixos devido à seca. Contudo, a evolução fenólica progredia bem e as peliculas pouco espessas da Touriga Nacional e da Touriga Franca permitiam-nos antever que produziríamos vinhos com boa estrutura. Uma vez que a previsão apontava a continuidade do tempo quento e seco, decidimos começar a vindimar no Douro Superior no dia 22 de agosto, incluídas a Quinta de Vale da Malhadas (Graham), Quinta dos Canais (Cockburn) e Quinta da Senhora da Ribeira (Dow). Nunca tínhamos vindimado uvas tão cedo no Douro. No dia 29 de agosto arrancámos nas nossas quintas no Cima Corgo, incluindo a Quinta dos Malvedos (Graham), Quinta do Bomfim (Dow) e Quinta da Cavadinha (Warre).

Começámos a pisa nos lagares de granito da adega da Quinta do Vesúvio também no dia 29, após um hiato de dois anos — em resultado da pandemia. Nunca na história desta grandiosa propriedade se tinha começado a pisar uvas na adega (que data de 1827) — em agosto.

Iniciámos a vindima nas castas mais temporãs, nas zonas mais baixas: Alicante Bouschet, Tinta Amarela, Sousão, Tinta Barroca e vinha velha. Embora os níveis de acidez se apresentassem mais baixos, os mostos nos lagares apresentavam boa cor. Temos 131 hectares de vinhas velhas espalhadas pelas nossas propriedades. As raízes bem desenvolvidas (profundas) permite-lhes encontrar alguma humidade para amadurecer os bagos e a maioria, surpreendentemente, aparentavam estar pouco beliscadas pela seca. As produções destas vinhas foram tipicamente baixas, mas foram muito menos impactadas do que as vinhas mais novas.

À medida que a vindima progredia, havia sinais de que se continuássemos a vindimar seletivamente, com muita precisão e de modo a colher as uvas no melhor estado possível, poderíamos produzir alguns vinhos bastante bons, embora em quantidade mais reduzida.

Ponto de viragem

A nossa perspetiva mudou durante a primeira semana de setembro quando as temperaturas médias diárias começaram — felizmente — a abrandar, situando-se entre os 22°C e os 25°C o que permitiu que as maturações progredissem de forma mais constante e gradual.

As castas autóctones revelaram a sua característica resiliência, tendo-se adaptado desde o início do ciclo ao desenvolver cachos cerca de 15% mais leves que a média. As produções não foram tão dramaticamente reduzidas como tínhamos temido no início e nas parcelas de meia encosta e de cotas mais elevadas (dos 350 aos 580 metros) verificámos bons desempenhos. Cotas mais elevadas significam temperaturas mais moderadas — uma significativa vantagem que a maior vinha de encosta do mundo (o Douro) nos proporciona. As castas brancas estiveram muitíssimo bem, com perdas de rendimento na casa dos 8% (face a 2021) e com teores de açúcar e acidez muito perto do ideal.

Vindimámos cerca de metade da nossa Touriga Nacional entre 5 e 11 de setembro. Esta casta é central ao desfecho do ano e foi com alívio que vimos o seu bom desempenho, originando bons vinhos com profunda cor e Baumés moderados (12° a 13°). Até ao dia 11 de setembro tínhamos vindimado 60% das nossas uvas. Além das restantes parcelas de Nacional, tínhamos ainda de vindimar toda a Touriga Franca que ainda não tinha completado a maturação. As temperaturas mais amenas melhoraram as nossas perspetivas, mas foi a chuva que se seguiria que realmente mudou o jogo.

A mais longa pausa

Dado que a previsão de chuva apontava para esta ter uma duração de poucos dias, decidimos pausar a vindima durante dez dias — a mais longa pausa alguma vez decidida no nosso percurso de viticultores. Era um risco que valia a pena correr se realmente queríamos fazer os melhores vinhos possíveis, dadas as condicionantes deste ano. Registamos entre 30 a 42mm de chuva nas nossas quintas entre os dias 12 e 15 de setembro. Seguiu-se tempo seco com alguma subida da temperatura, desfecho ideal para a reta final das maturações da Touriga Franca e do que restava da Nacional,

Recomeçámos a vindimar no dia 19 e verificámos com agrado o bom estado da Touriga Nacional. A Touriga Franca no Cima Corgo apresentava-se bem, com maturações completas, mostrando excelente cor e teores de açúcar satisfatórios, na ordem dos 13° Baumé. Já no Douro Superior, os resultados foram mais inconstantes, enquanto alguma da Franca deu origem a bons mostos, houve casos de maturações que não evoluíram como esperávamos.

As nossas equipas de viticultura e enologia trabalharam sem tréguas ao longo de uma das mais desafiantes vindimas de sempre e sentimos que, apesar das surpreendentes condições, conseguimos produzir alguns vinhos promissores. De um modo geral, as nossas produções tiveram uma quebra na ordem dos 20% (média do conjunto das nossas propriedades). De qualquer forma, esta quebra é muito menor face ao que tínhamos previsto em agosto. 2022 será lembrado como um ano em que as condições testaram até ao limite a resiliência das nossas vinhas e a nossa capacidade de nos adaptarmos a uma nova realidade. O ano mostrou-nos que as nossa vinhas conseguem — mesmo com menos água e temperaturas ainda mais elevadas — ter um desempenho melhor ao que alguma vez poderíamos imaginar. Fiquei incrédulo com a capacidade de resistência das vinhas e do seu bom desempenho e muito orgulhoso de como as nossas equipas na vinha e nas adegas responderam aos desafios. Dá-me alguma confiança na nossa capacidade de lidarmos com um futuro em que teremos mais anos como este. Os nossos melhores vinhos deste ano têm aromas expressivos e bela cor e é com boas expetativas que irei avaliando a sua evolução nestes próximos meses.

Olhando em frente

Prevemos ter de contar com mais anos difíceis no Douro em resultado dos crescentes efeitos das alterações climáticas. A tendência é para aumentos nas temperaturas médias, decréscimos na precipitação e ondas de calor mais frequentes (ver gráficos nos apêndices). Sete dos últimos dez anos apresentaram precipitação bem abaixo da média de 30 anos, enquanto as temperaturas médias durante o ciclo de crescimento aumentaram na ordem dos 2,3% entre 1966 e 2021.

Embora as nossas castas tenham provado a sua impressionante resistência (a orografia montanhosa do Douro, com os seus múltiplos terroir em muito contribui para tal), urge caminharmos para reduções muito mais ambiciosas nos níveis globais de CO2 durante esta próxima década. Temo-nos vindo a preparar há muitos anos para a realidade das alterações climáticas com importantes programas na área da investigação e desenvolvimento na vinha. Como membros da associação International Wineries for Climate Action, comprometemo-nos a auditar anualmente a nossa pegada de carbono, enquanto trabalhamos para reduzir as nossas emissões, em linha com as metas da ONU.

Charles Symington
Diretor de Produção
Quinta do Bomfim, Pinhão, Portugal

APÊNDICES

Quinta do Bomfim: Precipitação mensal de novembro 2021 a setembro 2022 comparativamente à média de 30 anos

 

Publicado em 2022-10-10
© Symington Family Estates

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