O Novo Normal - Relatório de Vindima 2019

2019-10-30

É fácil para os que visitam o Douro imaginarem que a mudança acontece devagar na nossa região (ou que não acontece de todo). Produzimos vinhos numa área de beleza deslumbrante, com socalcos esculpidos nas encostas, obra de várias gerações, onde as uvas são maioritariamente vindimadas à mão. Contudo, um olhar mais atento revela uma região onde a mudança avança a ritmo acelerado em várias vertentes — social, económica, vitícola e ambiental. A vindima de 2019 foi mais um marco na transição da nossa região para uma nova era — desafiante e excitante, em partes iguais.

Assiste-se há 15 anos no Douro a uma diminuição da população, com os jovens, compreensivelmente, a saírem em busca de alternativas de carreira à dureza da viticultura. Em consequência disto — e também devido ao boom turístico em Portugal que proporciona boas oportunidades de emprego — tem-se revelado muito difícil encontrar mão de obra sazonal durante a vindima. Ao contrário de vinhas facilmente mecanizáveis noutras regiões vitícolas do mundo, o Douro é constituído por cerca de 42 000 hectares de vinha de montanha (o que representa 52% da vinha de encosta mundial). Enfrentamos um desafio significativo se não tivermos pessoas em número suficiente para vindimar as uvas. Nas duas vindimas passadas tivemos produções muito baixas, mas em 2019 a colheita foi generosa, mais em linha com as médias, e muitas propriedades sentiram dificuldade em contratar pessoas suficientes para vindimar.

Na Symington, contratamos muitas pessoas durante a vindima e continuaremos a fazê-lo. Temos mais de 1000 hectares de vinha em localizações privilegiadas, uma grande parte em socalcos estreitos, sobre encostas íngremes que apenas podem ser vindimadas à mão. Todavia, em antecipação à escassez crescente de mão de obra, temos estado nos últimos sete anos na dianteira a trabalhar no desenvolvimento de uma máquina de vindimar em vinha de encosta. 2019 foi o 4º ano de ensaios da máquina de vindimar Symington-Hoffmann, com muito bom desempenho nos patamares de várias das nossas quintas e que, aliás, excedeu as nossas expetativas. Há ainda obstáculos a ultrapassar, entre os quais a adaptação de algumas das nossas vinhas para poderem ser vindimadas mecanicamente, no entanto, acreditamos ter encontrado uma solução viável para uma das grandes questões com que se confronta o futuro da nossa região. A questão demográfica precisa de ser, claramente, encarada para a região no seu todo, já que o investimento em mecanização da vindima pode ser proibitivo para muitos. Neste sentido, iremos partilhar os resultados dos nossos ensaios e daremos apoio a todas as instituições envolvidas na procura de soluções para a região.

É de realçar que provas cegas comparativas de vinhos produzidos a partir de uvas vindimadas à mão e vindimadas mecanicamente revelam que a qualidade é idêntica. Estou particularmente entusiasmado pelo facto da máquina de vindimar permitir uma maior flexibilidade em colher as uvas no momento mais indicado (sem estar dependente da logística cada vez mais complexa de reunir grupos de vindimadores, cada vez mais escassos). A capacidade de respondermos rapidamente às condições na vinha permite-nos correr mais riscos no sentido de elevar ainda mais a fasquia da qualidade.

A nossa empresa tem tido uma voz muito clara em relação à necessidade de reformar o quadro regulatório específico do setor, o qual afeta negativamente e sobretudo os preços que os lavradores recebem pelas uvas que vendem para produção de vinhos tranquilos (abaixo do preço de custo em muitos dos casos). Foi com satisfação que vimos os preços das uvas subirem na vindima deste ano, embora tal se deva provavelmente ao aumento da procura após dois anos de escassa produção (refletindo a vontade de muitos produtores de reporem stocks) — e não necessariamente a uma tendência contínua. Sem um novo sistema de regulação, que abranja o vinho do Porto e o vinho do Douro, o desequilíbrio persistirá, com os lavradores a sofrerem as consequências — e o cenário promissor dos vinhos DOC Douro assente em premissas financeiras perigosamente insustentáveis.

As alterações climáticas são agora uma ameaça sempre presente na vida do lavrador duriense. Não precisamos de ser cientistas da ONU para ver os impactos. É frequente ouvir as pessoas no Douro a referir o estranho comportamento do clima, com precipitação imprevisível (e em menor quantidade) e ondas de calor mais intensas e longas no verão. Os nossos registos confirmam estes indícios, com períodos de seca mais longos, agravados frequentemente por temperaturas acima da média. Estudos apontam para subidas de temperaturas no Douro com aumentos na ordem dos 1,7ºC para a média da temperatura máxima durante o ciclo de crescimento. Apesar destas condições, as notavelmente resilientes castas autóctones continuam a produzir Vinhos do Porto e do Douro de qualidade excecional, mesmo em anos muito secos. Adicionalmente, há muito que podemos (e estamos a) fazer na vinha para ajudar a sua adaptação ao clima em mudança.

Felizmente, neste verão, no Douro, escapámos às vagas de calor extremo que assolaram grande parte da Europa e que causaram danos nas vinhas em Espanha e França. Contudo, a ameaça de baixa precipitação faz-nos equacionar o uso regrado da rega nalgumas vinhas como forma de nos adaptarmos à mudança do clima e de assegurarmos a viabilidade da nossa produção em condições desafiantes. A nossa equipa de I&D desenvolveu uma abordagem sofisticada baseada em estudos de stress hídrico ao adotar rega deficitária para sustentar as vinhas em determinados momentos e locais onde tal se revela necessário.

Comparativamente a outras produções agrícolas, a pegada de água necessária para evitar perda de produção na vinha é minúscula. Não obstante, é claro que a sustentabilidade da produção de vinho no Douro tem de encontrar o ponto de equilíbrio com a disponibilidade de recursos hídricos pelo que continuaremos, em articulação com as instituições locais, a procurar soluções viáveis para a região, partilhando o nosso trabalho de investigação nestas áreas.

A vindima de 2019 no Douro foi das mais longas dos últimos anos, com uma duração de seis semanas, desde a primeira semana de setembro até meados de outubro. As produções aproximaram-se da média, após os anos de baixa produtividade de 2017 e 2018. As nossas vinhas tiveram rendimentos médios de 1,27kg/videira, ou 4 280 kg/hectare. Valores bastantes bons para nós, mas cerca de metade da média das regiões vinícolas em Portugal e entre três a quatro vezes menos que as produções de muitas das regiões vinícolas da Europa e de grande parte do Novo Mundo. Considerando que o nosso custo de produção por hectare se situa entre duas e oito vezes acima de outras regiões do mundo, perceberão porque achamos que trabalhamos uma das regiões vínicas mais desafiantes do mundo!

Antes da vindima tivemos boas condições climatéricas, incluindo alguma chuva útil em finais de agosto. Tivemos um inverno e primavera secos e na segunda metade do verão as vinhas mostravam necessidade de água para assegurar as maturações. Felizmente, a quase ausência de chuva entre maio e final de agosto foi colmatada por temperaturas estivais mais moderadas (em junho, enquanto que grande parte da Europa sofria vagas de calor, registámos temperaturas 4ºC abaixo da média mensal no Douro Superior: na Quinta dos Canais e na Quinta do Vesúvio).

Começámos a vindimar para tintos na Quinta do Ataíde (gerida em Modo de Produção Biológico), localizada no vale da Vilariça, no dia 4 de setembro. Prosseguimos depois na Quinta dos Canais, Malvedos, Senhora da Ribeira e Vesúvio no dia 9. Outro aspeto positivo desta vindima foi o aumento da produção e a excecional qualidade dos brancos, quer em termos da boa condição do fruto, quer em termos do equilíbrio das maturações. Isto coloca-nos numa boa posição, considerando o crescente interesse nos vinhos brancos do Douro.

Tivemos condições ideais em setembro com dias limpos e temperaturas moderadas a contribuírem para maturações graduais — evidentes no excelente equilíbrio entre açúcar e acidez. A Touriga Nacional revelou-se excelente e proporcionou vinhos retintos e bem estruturados. Fizemos uma pausa na vindima no fim de semana de 21/22 de setembro devido à chuva que caiu na quantidade certa para hidratar as castas tardias, incluindo a Touriga Franca — outra variedade muito importante para os nossos Portos e DOC Douros. O tempo seco voltou logo a seguir a esta chuva oportuna, o que resultou em aromas muito expressivos na Touriga Franca. De um modo geral, a qualidade dos vinhos que produzimos é bastante impressionante e os volumes também satisfizeram — condições ideais para uma equipa de enologia feliz! Frescura e expressividade — em contraponto à concentração de anos recentes — são as características mais relevantes destes vinhos.


Charles Symington

Quinta do Bomfim, Pinhão, Douro - 29 de outubro de 2019


Apontamentos da vindima de 2019 no Alentejo (Portalegre)

Esta foi a nossa 3ª vindima na Quinta da Fonte Souto, a nossa propriedade no Alentejo. Tivemos um ano agrícola geralmente seco e ameno. Durante os meses de verão registámos amplitudes térmicas assinaláveis, com dias quentes e noites frescas, o que favoreceu um avanço gradual das maturações e a conservação de bons níveis de acidez. As uvas, ajudadas pelos aguaceiros do final de agosto, estavam em excelentes condições no arranque da vindima, revelando frescura notável e exuberância aromática. As produções foram baixas. Produzimos vinhos muito elegantes, aromaticamente exuberantes e frescos, mas ainda com nervo e textura, refletindo a tipicidade da sub-região de Portalegre, cuja altitude define bem as suas características.

Publicado em 2019-10-30
© Symington Family Estates

Mais no blog: