Relatório de Vindima 2024 - Regresso ao futuro
Douro | Alentejo | Vinho Verde
Charles Symington, Principal Enólogo e Diretor de Produção · 22 de outubro de 2024
O regresso de uma vindima ‘à antiga’ no Douro
Após uma sucessão de anos vitícolas desafiantes, caracterizados por precipitação inconstante e ondas de calor prolongadas, em 2024 assistimos ao regresso a uma vindima no Douro à antiga com condições mais típicas a proporcionarem uma excelente colheita e vinhos excecionais.
Enquanto o meu pai e o meu avô começavam normalmente a vindima no Douro em meados de setembro, nestes últimos anos habituamo-nos a ver maturações mais precoces, resultantes de temperaturas mais elevadas que o habitual. O ‘novo normal’ tem sido começar a vindimar em finais de agosto. Castas que tipicamente atingiam a plena maturação de modo sequencial, têm frequentemente, nos anos mais recentes, visto os ciclos de maturação serem coincidentes. Apesar disso, a resiliência das castas autóctones, aliada ao saber das nossas equipas de viticultura e enologia, tem-nos permitido produzir alguns vinhos fabulosos nestes anos muito quentes e secos, sendo bons exemplos disso os 2017, 2018, 2020 e 2022.
Em contraste, o ciclo vitícola de 2024 pautou-se por níveis de precipitação acumulada próximos da média, bem como temperaturas igualmente alinhadas com a média (ou até um pouco abaixo). Assistimos assim a períodos de floração e do pintor também mais próximos do que é considerado normal no Douro, respetivamente a 6 de maio e entre 8 e 15 de julho na Quinta do Bomfim, bem no coração do Douro.
Enquanto novos recordes climáticos globais foram atingidos este ano (o mês de abril mais quente de sempre: 1,58°C acima da média pré-industrial, 1850-1900), o Douro beneficiou de condições mais moderadas, em linha com a normal de 30 anos. Isto favoreceu maturações graduais com bom equilíbrio entre açúcares e acidez e sem as assimetrias que temos verificado em anos recentes. A qualidade do fruto produzido este ano foi excelente e nas mãos dos nossos experientes enólogos traduziu-se na produção de vinhos do Porto e DOC Douro notáveis.
Todavia, no futuro é expectável enfrentarmos anos cada vez mais desafiantes no Douro, em resultado dos impactos das alterações climáticas. Estamos bem preparados para gerirmos esta situação em virtude de avanços na nossa viticultura e nas nossas adegas – conjugados com a experiência das nossas equipas. Mas, por agora, temos saboreado o regresso de um ciclo da vinha e vindima mais familiares e estou muito feliz com a qualidade impressionante dos vinhos de 2024.
Douro – uma vindima harmoniosa
A nossa vindima de 2024 teve início no Douro a 22 de agosto com uvas Viosinho das nossas vinhas em cotas mais elevadas. Seguiu-se o Sousão, a 4 de setembro e depois — a partir do dia 9 — as outras castas mais temporãs como Alicante Bouschet, Tinta Barroca, Tinta Roriz e mistura de castas.
As condições climáticas perfeitas ao longo de setembro originaram maturações bem-ritmadas e graduais dando lugar a uma sequência clássica de vindimar as diferentes castas – cada uma no seu ponto de maturação ideal. Temperaturas diurnas moderadas, a par de noites frescas, proporcionaram boa evolução fenólica, boa cor e excelente acidez. As uvas deram entrada nas adegas entre os 20°C e 22°C, prescindindo da necessidade de arrefecimento/aquecimento dos mostos em maior parte das fermentações — algo que não tínhamos visto há alguns anos.
Embora não chovesse de todo em agosto, as vinhas estavam em excelente estado em setembro, graças ao sustento proporcionado pelas boas reservas de água nos solos que resultaram da precipitação generosa deste ciclo. À medida que a vindima avançava pela 2.ª semana de setembro, o nosso otimismo crescia e estávamos confiantes de estar no bom caminho para um ano excecional (desde que o tempo colaborasse).
O barómetro chave das nossas vindimas no Douro reside na qualidade da Touriga Nacional e Touriga Franca, quer para os vinhos do Porto, quer para os DOC Douro. Iniciámos o corte da Touriga Nacional nas nossas quintas a partir de 16 de setembro, com indícios muito promissores. Os Baumé apresentavam-se perfeitos, entre os 13° e 14°, a par de acidez equilibrada, bons aromas e excelente cor. O lagar de Touriga Nacional para o lote Stone Terraces na Quinta dos Malvedos atingiu impressionantes 13,9° Baumé – mostrando enorme promessa, mesmo que as produções se tenham ficado pelos 500g/videira.
Em anos recentes, a Touriga Franca – casta tardia - tem ficado um pouco aquém do seu potencial, fruto de condições climatéricas instáveis. Este ano, não obstante alguma chuva fraca, as Francas foram vindimadas na última semana de setembro sob condições muito favoráveis, pautadas por temperaturas diurnas moderadas e noites frescas que, em conjunto, propiciaram boas fermentações. A qualidade das Francas é excelente, tendo produzido vinhos com boa concentração e apresentado os aromas clássicos desta casta determinante.
Faz tempo que não víamos um alinhar tão perfeito entre as cadências de maturação das diferentes castas, tempo consistentemente favorável – antes e durante a vindima —, uvas num estado tão saudável e fermentações a refletir grande qualidade, em particular na Touriga Nacional e na Touriga Franca - em todas as nossas propriedades.
Portalegre | Alentejo – Quinta da Fonte Souto
A vindima na nossa propriedade no Alentejo, Quinta da Fonte Souto, arrancou no dia 16 de agosto com o Verdelho, seguindo-se o Aragonez, a partir do dia 19, para produzir o Rosé da quinta. Chegados ao dia 26 começámos a vindimar o Arinto, casta incontornável para os brancos da propriedade. Tal como no Douro, as condições de vindima estiveram perfeitas, com precipitação abaixo da média e temperaturas moderadas a proporcionar maturações ideais.
Produzimos alguns rosés e brancos excecionais o que vem reforçar a nossa crença que a Quinta da Fonte Souto (encostada à Serra de São Mamede, com cotas entre os 490 e os 550 metros), possui um terroir notável com enorme potencial vínico. As plantações de Alfrocheiro, que nos deram um tinto magnífico em 2019, tiveram novamente excelente desempenho e tudo indica que 2024 produzirá outro tinto monovarietal fora de série.
As últimas parcelas vindimadas foram as que são palco das castas tintas de assinatura (Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional) que compõem o tinto porta-estandarte da propriedade, o Vinha do Souto. As fermentações destas castas mostraram-se igualmente promissoras e complementarão as castas brancas a carimbar com excelência o ano de 2024 na Quinta da Fonte Souto.
Monção e Melgaço | Vinho Verde – Casa de Rodas
2024 foi a nossa segunda vindima na Casa de Rodas, propriedade com 100% de Alvarinho localizada na sub-região Monção e Melgaço da denominação Vinho Verde. A vindima decorreu entre os dias 6 e 9 de setembro sob condições atmosféricas favoráveis, apesar de alguma chuva. As uvas atingirem a plena maturidade com muito bons níveis de acidez. Uma vez vindimadas, foram transportadas para a adega do nosso sócio, Anselmo Mendes, tendo a vinificação dado origem a vinhos de elevada qualidade. As produções estiveram um pouco acima da nossa vindima de estreia, fruto do acompanhamento meticuloso da nossa equipa de viticultura ao longo do ciclo de crescimento que apresentou alguns desafios.